CONTESTAÇÃO
OBJETO: PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 32/2019
AUTOR: Fernando Martins Pegorini
EMENTA: ESTABELECE TRATAMENTO FAVORECIDO, DIFERENCIADO E SIMPLIFICADO PARA AS MICROEMPRESAS, EMPRESAS DE PEQUENO PORTE, AGRICULTORES FAMILIARES, PRODUTORES RURAIS PESSOA FÍSICA, MICROEMPREENDEDORES INDIVIDUAIS E SOCIEDADES COOPERATIVAS DE CONSUMO NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS DE BENS, SERVIÇOS E OBRAS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DE ITAJAÍ – SANTA CATARINA.
I - DOS FATOS.
O Vereador, que a esta subscreve, protocolou nesta casa legislativa o Projeto de Lei Ordinária n.º 32/2019, com a coautoria do Vereador Sérgio Murilo Pereira. A referida Lei tem por escopo a implementação de um tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas situadas na cidade ou em suas proximidades, a fim de fomentar o empreendedorismo local e possibilitar que possam competir com empresas maiores do que elas.
A Procuradoria da Câmara de Vereadores emitiu parecer contrário à tramitação, alegando que o projeto conteria vícios de iniciativa, apontando os trechos que mereciam ressalva.
A Comissão de Legislação, Justiça e Redação final, sem se aprofundar no mérito, emitiu parecer contrário, limitando-se apenas a dizer que seu entendimento era no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do Projeto, em razão de ofensa ao princípio da separação de poderes, havendo vício de iniciativa.
Em que pese o parecer da comissão não indique exatamente onde está a inconstitucionalidade do Projeto apresentado, o que dificulta a defesa, entende-se que suas ponderações foram totalmente fundadas naquilo que fora inicialmente exposto pela Procuradoria, razão pela qual os argumentos a serem destacados aqui serão aqueles expostos no referido parecer, a fim de que reste demonstrado que não subsistem as afirmadas inconstitucionalidades e os vícios de iniciativa.
Assim, após a exposição das razões pelas quais o Projeto não padece de inconstitucionalidade, por ofensa aos princípios da Separação de Poderes, solicita-se a revisão do posicionamento dos ilustres membros da comissão, a fim de que seja aprovado o Projeto de Lei n.º 32/2019, para que siga seu trâmite, sendo levado à apreciação do Plenário da Câmara de Vereadores de Itajaí, para posterior aprovação.
É a síntese do necessário.
II – DOS FUNDAMENTOS.
A iniciar a argumentação, tem-se de forma inequívoca, conforme já sacramentado pela jurisprudência, que a competência para legislar sobre matéria de licitação é concorrente entre os poderes executivo e legislativo, portanto, o mero fundamento de que tratar de tal matéria interfere na separação de poderes, com todo o respeito ao parecer contestado, mas não possui nenhum fundamento.
A exemplo disso, citamos a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2014.043556-7:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 3.714/2014, DO MUNICÍPIO DE BRUSQUE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA FEDERAL EM MATÉRIA DE TRÂNSITO E DE USURPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. INSUBSISTÊNCIA. NORMA QUE DISPÕE SOBRE LICITAÇÃO E CONTRATOS, DISCIPLINA EM QUE A CÂMARA MUNICIPAL PODE SUPLEMENTAR AS REGRAS GERAIS EDITADAS PELA UNIÃO. INICIATIVA DE LEI DA CÂMARA QUE NÃO SE ENCONTRA DENTRE AS HIPÓTESES LISTADAS NA CONSTITUIÇÃO EM QUE SOMENTE O PREFEITO PODE PRINCIPIAR O PROCESSO LEGISLATIVO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 50, § 2º DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. VÍCIOS FORMAIS INEXISTENTES. POSSIBILIDADE DE O PARLAMENTO MUNICIPAL DISPOR SOBRE CRITÉRIOS E DIRETRIZES NO TOCANTE À CONTRATAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE FISCALIZAÇÃO NAS VIAS PÚBLICAS - PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL PLENO E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - IMPROCEDÊNCIA. (TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2014.043556-7, da Capital, rel. Des. Cláudio Barreto Dutra, Órgão Especial, j. 07-10-2015).
Tal entendimento, é o mais acertado possível para o caso e demonstra o grande enaltecimento da atividade parlamentar. Os parlamentares e, em especial os vereadores, sempre se depararam com uma postura muito rígida da doutrina e da própria jurisprudência, que por muito tempo limitou a atividade parlamentar a um entendimento que hoje já se encontra superado, tanto nesta seara, quanto noutras, como o caso da criação de despesas ao executivo, hipótese que há não muito tempo era algo fora de cogitação.
Como vemos, a concorrência para o exercício da capacidade legislativa acerca da matéria de licitações e contratos pode ser exercida tanto pelo executivo, quanto pelo legislativo, não havendo nada de estranho ou descabido na proposta apresentada pelo Parlamentar que aqui apresenta sua contestação.
O exercício da vereança, não é tarefa simples e para ser exercida de forma vazia. Seu objetivo é fiscalizar os atos do poder público para garantir que preste um bom serviço a toda a população e traduzir os anseios dos cidadãos em projetos de lei que materializem suas necessidades.
Neste contexto, cabe ao vereador um grande esforço para que possa transformar esses anseios em projetos de Lei que não esbarrem nas vedações constitucionais e legais já impostas à sua prerrogativa. Estas vedações, já são bastante amplas, não sendo necessário que a própria casa legislativa crie novos obstáculos ao referido exercício, sob pena de tornar inócua, ou deficitária a finalidade pela qual os edis são eleitos.
O Julgado de nosso tribunal, não deixa dúvidas sobre a capacidade do membro do poder executivo em propor leis que versem sobre a matéria de licitações e os contratos, devendo a comissão de legislação rever seu posicionamento, a fim de aplicar o entendimento atual da Corte Catarinense e, enaltecer e apoiar projetos como o presente, que se encontra dentro dos limites legislativos impostos à atividade parlamentar e não obstam nenhuma atividade funcional do poder executivo, servindo sim, para auxiliá-lo e permitir a ampliação de sua atuação.
O Parecer da Procuradoria da Câmara de Vereadores, citado pelo parecer da Comissão como fundamento de sua decisão, pontuou, por exemplo, que haveria invasão de competência no artigo 2º, §1º, inciso I e II, pois ele preveria a adoção do tipo licitatório “menor preço” e que isso deixaria de considerar os critérios de julgamento insertos na Lei nº 8666/1993, todavia o texto evidenciado não diz isso.
O artigo 2º, §1º, inciso I e II, do projeto apresentado tem o seguinte texto:
Art. 2º Sem prejuízo da economicidade, as compras de bens e serviços por parte dos órgãos da Administração Direta do Município, suas autarquias e fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas e demais entidades de direito privado controladas, direta ou indiretamente, pelo Município, deverão ser planejadas de forma a possibilitar a mais ampla participação de microempresas e empresas de pequeno porte locais ou regionais, ainda que por intermédio de consórcios ou cooperativas.
§ 1º Para os efeitos deste artigo:
I - Poderá ser utilizada a licitação do tipo menor preço por item;
II - Considera-se licitação do tipo menor preço por item aquela destinada à aquisição de diversos bens ou à contratação de serviços pela Administração, quando estes bens ou serviços puderem ser adjudicados a licitantes distintos.
Ora, a expressão contida no inciso I, “poderá”, não tem caráter impositivo, portanto, não condiciona esse tipo de licitação à uma obrigatoriedade. Por óbvio que a administração deverá observar a Lei de Licitações para verificar se os aspectos técnicos estão corretos, esta é a função do servidor público, executar os serviços públicos sem descumprir a legislação vigente.
O referido parecer menciona ainda irregularidade no artigo 6º, alegando que seu dispositivo final, determina a utilização de pregão presencial, interferindo nas funções de gestão. Porém, novamente, não há imposição absoluta do texto legal proposto, uma vez que o próprio artigo prevê exceção, que por sinal, é bastante ampla.
Art. 6º Nas aquisições de bens ou serviços comuns na modalidade pregão, que envolvam produtos de pequenas empresas ou de produtores rurais, estabelecidos na região, salvo razões fundamentadas, deverá ser dada preferência pela utilização do pregão presencial.
Ora, primeiramente, que a pretensão é de que se dê, preferência à modalidade de pregão presencial, quando da utilização desta modalidade de licitação, isto, em razão do propósito do projeto ser justamente criar um tratamento diferenciado para as empresas de pequeno porte e micro empresas locais na região do Município.
Outrossim, é bem claro no texto do artigo proposto que tal hipótese não é absoluta, havendo expressa previsão de que a regra pode ser dispensada quando houver razão fundamentada para tanto.
Se considerarmos que, em obediência ao princípio da motivação dos atos públicos, TODAS as decisões de caráter discricionário tem de apresentar justa motivação, tem-se que esta exceção é perfeitamente plausível, e importa na não obrigatoriedade da observância da regra proposta, quando, justificadamente, ela não for aplicável, logo, não há invasão de competência e, portanto, nenhum vício no artigo de lei em questão.
Outro apontamento com o qual não podemos concordar e que não pode servir de motivação para o parecer desta Comissão é a colocação relativa ao artigo 3º, inciso IV, cuja preocupação da Procuradoria é a de que possa haver violação do pacto federativo. Cabe aqui a abertura de um parêntese para tratar da exata colocação da Procuradoria.
O conceito impreciso utilizado, de que o dispositivo legal “pode” violar o pacto federativo, é totalmente válido no âmbito da análise feita por aquele órgão, uma vez que seu parecer é a emissão de uma opinião técnica e nela, é permitido fazer alertas sobre questões controvertidas, todavia, o voto da comissão de Legislação é ato vinculativo e, portanto, determina a continuidade ou não da tramitação do Projeto de Lei que, aliás, é expressão da cidadania sendo exercida de forma indireta.
Sob este prisma, temos que a dúvida lançada pela Procuradoria, válida para a análise do caso, só pode ser vir de fundamento para a decisão da Comissão se for expressamente tratada e resolvida na emissão de seu relatório, fato que, como já vimos, não ocorreu. Ademais, esta discussão já estaria superada de per si, uma vez que conforme bem demonstra a decisão colacionada à presente, e também fica claro na exposição inicial do próprio Parecer da Procuradoria da Câmara de Vereadores, há competência concorrente do Município para legislar sobre matéria local e de forma suplementar, sendo exatamente isso o que ocorreu no caso em discussão. Superando, sobremaneira toda e qualquer dúvida acerca da possibilidade de ocorrer a aventada violação ao pacto federativo, o que de fato não ocorreu.
Mais adiante, o Parecer traz a discussão o dispositivo dos artigos 4º e 5º, entendendo, o Parecerista, que haveria condicionamento da escolha e, portanto, invasão na discricionariedade do executivo. No entanto, novamente volta à baila a discussão do limite da discricionariedade do gestor público. Para podermos tratar do tema de forma mais precisa, necessário será a leitura dos artigos indicados:
Art. 4º As necessidades de compras de gêneros alimentícios perecíveis e outros produtos perecíveis, por parte dos órgãos da Administração Direta do Município, suas autarquias e fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas e demais entidades de direito privado controladas, direta ou indiretamente, pelo Município, serão preferencialmente adequadas à oferta de produtores locais ou regionais.
§ 1º As compras deverão, sempre que possível, ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias, para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando à economicidade.
§ 2º A aquisição, salvo razões preponderantes, devidamente justificadas, deverá ser planejada de forma a considerar a capacidade produtiva dos fornecedores locais ou regionais, a disponibilidade de produtos frescos e a facilidade de entrega nos locais de consumo, de forma a evitar custos com transporte e armazenamento.
Art. 5º Salvo razões preponderantes, a alimentação fornecida ou contratada por parte dos órgãos da Administração Direta do Município, suas autarquias e fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas e demais entidades de direito privado controladas, direta ou indiretamente, pelo Município terá o cardápio padronizado e a alimentação balanceada com gêneros usuais do local ou da região.
No texto, agora sob análise, vê-se que foram reservadas as expressões; preferencialmente, sempre que possível e salvo razões preponderantes; isto por que, em momento algum o Vereador proponente da matéria tinha por intuito ferir o poder discricionário do chefe do executivo, muito menos obstar seus atos de gestão, porém, conforme já foi dito, a discricionariedade não é carta em branco e deve respeitar os limites da ética, da razão e das boas práticas da administração pública, não podendo ser usada como válvula de escape para descumprir a legislação.
Se a administração pública de deparar com razões que fundamente uma escolha diversa daquela sugerida no texto legal, estará, por força de suas próprias prerrogativas, plenamente autorizada, desde que fundamente as razões de sua escolha. Não é imaginável e nem admissível tratar do assunto de forma diversa, desta forma absolutamente respeitado o princípio da separação dos poderes, por não haver, no texto da lei regra que imponha modo de agir absoluto, ou usurpe a capacidade discricionária do chefe do poder executivo e seus administrados, inexistindo fundamento para que esta justificativa possa ser usada para amparar o voto da Comissão.
Diz ainda o Parecer que o Projeto de Lei apresentado pelo Vereador deixa de citar os limites contidos na Lei nº 8.666/1993, quanto ao limite de valores para a compra de produtos. E eis ai uma verdade, o Projeto deixou de fazê-lo por uma única razão, A PRÓPRIA LEI DE LICITAÇÃO JÁ O FAZ, não já motivos para repetir tal previsão na legislação local, muito pelo contrário, há muitos motivos para não fazê-lo.
Nossa veemente discordância da ótica de haver a necessidade de reproduzir o limite inserto na Lei de Licitações é que uma vez que haja, no futuro, uma mudança na lei de Licitação, haverá uma desconexão da Lei local com a regra geral, o que pode acarretar sua inaplicabilidade, ou sua demasiada limitação.
Necessário lembrar, que a necessidade de uma mudança ou adequação na Lei n.º 8.666/1993 é algo muito atual e que já foi palco de muitas discussões acaloradas em palestras sobre Direito Administrativo, sofrendo fortíssima crítica de parte preponderante da doutrina que entende que os limites desta lei já estão deveras ultrapassados.
Não nos cabe adentrar o mérito de discussão tão ampla e filosófica, assunto este que poderia ser reservado à artigo científico ou mesmo tese para conclusão de graduação na área do direito público, o que precisamos é ter em mente que esta possiblidade é real e muito próxima, portanto, reproduzir limites de uma legislação, já aplicável e que tende a ser alterada, não condiz com a melhor técnica legislativa, posto que na mudança da Lei geral, haveria direta consequência negativa à lei local que contivesse os mesmos parâmetros.
Dito isto, por já haver uma necessidade inequívoca dos servidores públicos que trabalham na área, de manter a observância dos pressupostos e limites insertos na Lei n.º 8.666/1993 e, por não haver intenção, por meio do presente projeto, de criar regras substitutivas ao que determina a lei federal, mas sim complementá-la com atendimento dos interesses locais.
Com o respeito à opinião diversa, mas vemos que não existe nenhum sentido em repetir os limitadores da Lei de licitações, sob pena de criar situação que, no futuro, poderá impedir a eficácia da norma que se pretende aprovação, logo, inexistem os motivos de considera-la inconstitucional ou ilegal, com base em tais fundamentos, dos quais, inclusive, divergimos com veemência.
Diante de todo o exposto, por não se tratar da criação de nova modalidade de licitação, por não existir qualquer invasão da competência do executivo, por restarem totalmente afastados os apontamentos feitos no Parecer da Procuradoria e que, como expressamente referido no voto da comissão, serviu-lhe como fundamento de sua decisão, por estarem dirimidas as dúvidas e não se vislumbrar a existência de nenhum outro elemento que desabone ou macule a proposição apresentada mediante o Projeto de Lei n.º 32/2019 o proponente requer aos membros da Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final:
1 – Seja recebido a presente contestação, uma vez que tempestiva, conforme o prazo estabelecido no artigo 86, §1º da resolução 564/2015 da Câmara de Vereadores de Itajaí;
2 - O deferimento do pedido para que possa realizar sustentação oral de sua contestação, com fundamento no artigo 86, §1º da resolução 564/2015 da Câmara de Vereadores de Itajaí;
3 – Requer ainda, seja revisto o posicionamento exarado no voto que negou seguimento ao projeto, a fim de emitir decisão favorável à continuidade da tramitação do mesmo, uma vez que não lhe assistem quaisquer das máculas apontadas como fundamento de sua denegação, quando da análise de sua constitucionalidade e legalidade.
Nestes termos, pede deferimento.
Itajaí, 04 de Julho de 2019.
Fernando Martins Pegorini